FACTOS:
Um motorista dum "chapa100"- transporte semi-colectivo de passageiros, foi interceptado pela Polícia camarária da Matola, que, ordenou que interrompesse a marcha por, esta, a polícia, tê-lo considerado infractor, de quê, não sei. No lugar de lhe aplicar uma multa, exigiu uma quantia monetária, como forma de livrá-lo de qualquer tipo de sanção. Consta que o motorista efectuou o pagamento. Insatisfeito com a atitude da Polícia, apoderou-se das pastas desta e dirigiu-se, de imediato, à esquadra próxima, onde procedeu a entrega das mesmas( continham dinheiro, supostamente resultante de actos de suborno) e apresentou, de seguida, a queixa. Sucede que, a PRM deteve os agentes em causa, e, estranhamente, o motorista do "Chapa" foi também encarcerado, alegadamente, segundo a Polícia, por ter furtado bens do Município. Estes são os factos.
DIREITO:
1. A PRM, entende que o motorista cometeu um crime de furto, por isso tem que se instaurar um processo crime contra ele.
2. Penso que é importante apresentar uma definição de furto, para, de seguida analisarmos se ocorreu este tipo legal de crime.
3. Furto é a subtracção fraudulenta de coisa alheia, conforme o artigo 421º do Código Penal, em atenção as alterações introduzidas pela Lei 8/2002, de 5 de Fevereiro.
4.Concentremos-nos no elemento fraude.
5. No crime de furto , o elemento fraude é bastante decisivo.
5. Considera a Jurisprudência dominante que, a subtracção não é fraudulenta quando o agente não procede com a intenção de se apropriar da coisa, embora soubesse que ela lhe não pertencia, pois a subtracção fraudulenta objectiva-se e configura-se quando, sabendo o agente que a coisa lhe não pertence, dela se apropria com intuito de aumentar o seu património à custa do património alheio( Vide acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Outubro de 1953; Jur. das Rel., 11.º, 12).
6. O elemento subjectivo no crime de furto consiste no propósito de o agente integrar a coisa alheia no seu património ou no de terceira pessoa, contra a vontade do proprietário, possuidor ou detentor ( Vide acórdão do STJ, de 4 de Dezembro de 1968; BMJ, 182, 307).
7. Ora,
8. No caso do motorista, o elemento fraude nã se preencheu.
9. Logo,
10. Não posso deixar de afirmar, salvo douto entendimento em contrário, que o motorista não cometeu crime de furto.
11. Ainda que assim se não entender, o que por mera hipótese se pode admitir, sempre se dirá que o motorista não devia ter sido detido, pois a lei 6/2004, de 17 de Junho-Lei que introduz mecanismos complementares de combate a corrupção, no seu artigo 13º estabelece que os denunciantes devem ser protegidos.
12. Isto só me lembra o romance de FRANZ KAFKA-"O PROCESSO". O motorista está a desempenhar o papel do KIRILOV, personagem principal daquele romance.
13.Estamos, penso eu, diante de atitudes kafkianas.
14. O Ministério Público tem que agir.
10 comentários:
A algum tempo atrás participei na elaboração de um reelatório que versava sobre as questões de praticas desviantes e subornos no sector da saúde e educação. Uma das constatações a que chegamos foi a falta de denúncia por parte dos utentes dos serviços públicos, casos como este do motorista do "chapa-100" revelam o quão perigoso pode ser fazer uma denúncia.
A questão que fica é: se pretendemos diminuir os indices de subornos e corrupção na função pública, que mensagem deixamos para o público quando temos atitude como esta da polícia?
Outra questão como é que a polícia queria que o motorista denúnciasse os polícias? Porque acredito se o motorista de chapa se tivesse deslocado a esquadra sem os elementos de prova (as pastas e o dinheiro), este caso seria como muitos outros.
Ninozaza, espectacular reflexão. Viste o P.S sobre o Governador de Inhambane, por favor, quero o seu palpite.
ninozaza, pode me dizer onde posso obter o relatório de que fala? gosto de ler essas coisas, mas penso também que seria uma boa oportunidade para eu ilustrar a minha posição sobre a corrupção. a falta de denúncia é de facto um problema, mas não é só porque as autoridades não vão ligar nada. para algumas pessoas a corrupção é cómoda e eficiente e só é problema quando não presta o serviço prometido.
ilídio, agradecia que me explicasses mais as declarações do governador. em que contexto falava ele, a propósito de quê e para quem?
Caro elísio, o governador discursava, creio, para quadros da educação, professores sobretudo.Tal discurso insere-se no contexto da campanha de melhoria de qualidade de ensino naquele ponto do país. No essencial é isto.
ilídio, continuo a não perceber muito bem o que o governador queria dizer. suponho que ele tenha trocado as palavras, isto é que não se tenha apercebido que a expressão "processo disciplinar" seja muito pesada para o que ele tinha realmente em mente. suponho que ele quisesse dizer que a educação precisa de critérios claros de desempenho para, mais tarde, poder chamar os professores à responsabilidade caso não cumpram com as suas obrigações. não sei se é a mesma coisa, mas de qualquer maneira parecem-me declarações sintomáticas de falta de ideias claras sobre o que é preciso fazer misturadas com uma certa tendência autoritária da nossa cultura política: chefe é só chefe quando anda a meter medo às pessoas. tenho a certeza de que ele não faz a mínima ideia do que é necessário fazer para elaborar esses critérios de desempenho. provavelmente, ele pensa que o bom aproveitamento (apurado através do índice de aprovações) constituiria esse bom desempenho, algo que teria o efeito perverso de formar analfabetos. enfim, o assunto é complicado.
Os relatórios que mencionei, podem ser lidos no site www.integridadepública.org.mz
Muito grato, caro elísio.
obrigado, ninozaza, alguém se encarregou de me enviar os dois relatórios. já conhecia um deles. é leitura interessante.
A corrupção é um fenómeno que tem que ser combatido por todos. Uma das melhores formas de combater esse fenómeno é conhece-lo.
Infelizmente eu sou como muitos sei pouco sobre o assunto mas tenho para comigo que este fenómeno se concretiza no binómio CORRUPTO + CORRUPTOR = CORRUPÇÂO.
Se a minha premissa é correcta para além do furto e considerando que o motorista de chapa pagou aos policias (ou ao menos tentou) cometeu o crime previsto no artigo 9 da lei 6/2004 lei do combate a corrupção, devendo por isso, ser punido com a pena de prisão até 1 ano.
Ninozaza é isto que torna perigosos denunciar a corrupção? Quem não deve não teme. Se não nos envolvemos em actos corruptos nada nos deve intimidar de os denunciar.
A transformação do motorista de chapa em herói e as autoridades públicas em vilãs nesta história, reside na interpretação distorcida dos factos e da santificação de quem corrompe na mesma proporção que se diaboliza quem é corrompido como se a corrupção podesse existir sem corruptores.
Se denunciarmos a corrupção em todos os momentos não só quando ela não nos aproveita estaremos a prestar um serviço de inestimável valor à nação.
Meu caro Ilídio,
A lei de combate anti corrupção tem disposições sobre corrupção activa (art. 9 = pagar)e corrupção passiva (art. 8 0 receber); no caso em apresso o motorista de chapa, tendo pago cometeu o tipo legal de crime previsto no artigo 9 citado e o polícia ao receber deste e de outros cometeu o crime de corrupção passiva.
Como dizia no meu post anterior, o fenómeno corrupção concretiza se no binómio CORRUPTO + CORRUPTOR = CORRUPÇÂO. O motorista de chapa, pelo exposto acima é também corrupto, logo criminoso.
A disposição do artigo 13 da lei que tenho vindo a citar, de facto impõe o dever de protecção dos denunciantes mas seria de todo inusitado que a lei criminalizasse a corrupção activa e ao mesmo tempo impusesse o dever de proteger quem praticasse tal crime.
Creio que não são estas as situações que a lei quis salvaguardar com o artigo 13 da lei do combate à corrupção.
A lei quer com o artigo 13 proteger cidadãos honestos que, de boa fé, denunciem actos corruptos.
A denuncia do corruopto motorista de chapa (que é subsequente à prática do crime de corrupção activa) só pode funcionar como atenuante (no máximo) mas não o isenta das consequências previstas na lei. Seria de todo estranho que a mesma lei que o criminaliza impusesse a sua protecção pelo simples facto de denunciar um acto do qual ele tem participação activa.
Há entendimento melhor? Venham daí.
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