terça-feira, janeiro 15, 2008

Sobre as cheias em Moçambique

Tenho estado a acompanhar, com muita amargura, o drama das cheias que está afectando as populações da zona centro do País. As pessoas que hoje estão sendo directamente afectadas pelas cheias, certamente que nos próximos anos serão novamente afectadas pela mesma calamidade, pois voltarão as chamadas zonas de risco. A razão por que as populações regressam as suas zonas de origem, de risco, portanto, são bem conhecidas e não vou aqui enumerar. Na verdade, parece que tais razões deixam de se justificar quando a própria vida do homem é colocada em risco. Não sei que papel o Estado moçambicano está a desempenhar para evitar que mais vidas humanas se percam. O Estado não pode estar todos anos a negociar com as populações no sentido de estas não regressarem as zonas de risco. O Estado deve usar os meios que tem para impedir que as populações regressem as zonas de risco. Deve usar o seu o poder de autoridade. Deve criar condições de vida aceitáveis em zonas seguras. Ou melhor, se já as tiver criado então que impeça o regresso das populações. É que se o Estado não exerce o seu real papel neste caso concreto, podemos até falar de uma responsabilidade do Estado por omissão. Ou não? Deixem-me só contar o que aconteceu aquando das cheias de 1977, na Província de Gaza: A minha avó, Melina Samussone, contou-me que em 1977 houve cheias na Província de Gaza. Conta ela que o rio Limpopo "explodira". Ela, o seu cônjuge e os seus filhos, incluindo a minha mãe, residiam numa zona chamada DENGUENE, junto ao rio Limpopo. Para quem não sabe, Denguene, é a terra onde nasceu o famoso músico moçambicano Simeão Mazuze, mais conhecido por Salimo Muhamed. Ora, Naquele ano, as cheias provocaram enormes danos humanos e materias. O Estado moçambicano, dirigido por Samora Machel, não vacilou. Conta a minha avó que mesmo com a resistência da população, o Estado usou dos meios coercitivos com o fito único de impedir que o cenário se repetisse. Inclusive, a Polícia Popular de Moçambique (PPM), na altura, recebeu ordens para destruir casas de alvenaria que tinham resistido às enchurradas, como forma de desencorajar o regresso das populações. E onde é que se instalou a minha avó? Fixou residência na zona alta da Cidade de Xai-xai ou seja em Tavene. É lá onde nasci e cresci e, claro, livre de cheias. E o que é Denguene hoje? Hoje é uma zona onde as populações que outrora lá viviam, aproveitam a fertilidade dos solos para a prática da agricultura e dedicam-se a criação de gado. Como facilmente se pode constatar, em 1977, encontrou-se uma solução. E por que é que hoje, 2008, o Estado não encontra uma solução definitiva para as populações da zona centro? Não acham que os fundos que são gastos anualmente nas operações de resgate seriam suficientes para eliminar o problema duma vez por todas? O Estado tem que agir com seriedade.
P.s: Estou ainda em gozo de férias.

9 comentários:

Eugénio Chimbutane disse...

Isso mesmo Macia. Falta "tomar medidas".

Com este post só me deixaste com saudades do Limpopo.

Bayano Valy disse...

a ideia de que há que se tomar medidas começa a ganhar adeptos. ao meu ver, é necessário que as forças vivas da sociedade comecem a falar e de boca cheia dos problemas que grassam este país. a solução que advogas tem um pequeno senão: tirá-los de lá e depois? penso que antes deve-se criar condições para que os deserdados resistam à tentação de lá voltar.

ilídio macia disse...

Isso mesmo,caro bayano. O Estado tem que criar boas condicoes em zonas seguras.

Eugénio Chimbutane disse...

Bayano,

Acho que o exemplo que o Macia apresenta é elucidativo. Tomar medidas significa, colocar as pessoas em lugares seguros e criar condições para que elas permaneçam lá. E acho é o que foi feito no Xai-Xai, por tanto, não é agir por agir, é preciso agir com racionalidade, ou tentar resolver o problema uma vez por todas.

Um abraço

ilídio macia disse...

Exacto. Chimbu, podemos discutir um poco acerca da reconstrucao da baixa da cidade de xai-xai depoois das cheias de 2000? O que tens a dizer? Nao seria altura certa de se projectar uma outra zona para substituir a zona baixa? Aquela zona de bairro dambine 2000, nao seria a mais adequada?

Unknown disse...

Uma avaliação rápida sobre a postura do Estado e das diversas “calamidades” que têm assolado o país, constata-se que o Estado age como de bombeiro se tratasse. Encontra-se constantemente a correr atrás do prejuízo, como se diz. Este é o problema de previlegiar a acção. O importante é agir, e tal acção na generalidade das vezes, recai sobre os efeitos e não sobre as causas dos problemas. Porquê? Porque pensar dói, parafraseando o Elísio. È fácil agir do que pensar. Por que as pessoas acham que as coisas têm que ser facéis? Optámos sempre pelas coisas fáceis e de efeito rápido, como forma de contornar o cerne do problema.Resultado, gastámos recursos escassos e não saímos deste ciclo vicioso. Apenas com “imaginação” aliada ao trabalho, é que vamos “mudar” as coisas. Trabalhar só por trabalhar, também nos conduz ao ciclo vicioso. Imaginação senhores, é que nos faz dar o salto qualitativo.

Josué Muchanga

ilídio macia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ilídio macia disse...

Caro JJM, frase tua esta:"Uma avaliação rápida sobre a postura do Estado e das diversas “calamidades” que têm assolado o país, constata-se que o Estado age como de bombeiro se tratasse". Sim Senhor,acertaste o alvo.

Elísio Macamo disse...

caro ilídio, que bom que voltaste! infelizmente, estive ausente e não pude intervir neste debate sobre as cheias. há 7 anos que faço pesquisas sobre cheias no vale de limpopo pelo que podes imaginar como o assunto me interessa. vamos ter que arranjar melhores oportunidades para conversarmos sobre isto. talvez eu também coloque algumas postagens a discutir alguns dos meus resultados. posso, contudo, dizer-te que as medidas tomadas em 1977 foram um grande desastre e estão na base de alguns dos problemas que temos regularmente na resposta às cheias no vale do limpopo. isso é, contudo, um tema muito vasto. eu acho que aqui estamos simplesmente perante o problema da definição do problema. dás a entender que o problema seja ou a teimosia dos que vivem nos vales ou a falta de vontade do governo em agir com determinação. tenho dúvidas. se calhar o problema é de criar condições para que alguém assuma conscientemente o risco de viver no vale. isso pressupõe uma série de coisas que vão para além de uma atitude autoritária do estado. quando voltares de férias ao xai-xai vá dar uma volta lá para as dunas de xai-xai para veres os efeitos da decisão de "reafixar" as pessoas na sequência das cheias de 2000. é um cenário triste e desnecessário. veja o tamanho da maçaroca que eles tiram daquela terra. aquilo é bastante confrangedor. enfim, estou a desabafar sobre um tema que me apaixona. o problema não são as pessoas, mas também não é o governo. o problema é o princípio que foi introduzido no nosso país - não interessa por quem - segundo o qual ameaças quase que milenares têm que ser resolvidas por alguém, de preferência de fora (do país ou mesmo da região).