sexta-feira, maio 18, 2007

MOTORISTA DE "CHAPA 100" DENUNCIA CORRUPTOS E É DETIDO PELA POLÍCIA. REFLEXÃO JURÍDICA.

FACTOS:

Um motorista dum "chapa100"- transporte semi-colectivo de passageiros, foi interceptado pela Polícia camarária da Matola, que, ordenou que interrompesse a marcha por, esta, a polícia, tê-lo considerado infractor, de quê, não sei. No lugar de lhe aplicar uma multa, exigiu uma quantia monetária, como forma de livrá-lo de qualquer tipo de sanção. Consta que o motorista efectuou o pagamento. Insatisfeito com a atitude da Polícia, apoderou-se das pastas desta e dirigiu-se, de imediato, à esquadra próxima, onde procedeu a entrega das mesmas( continham dinheiro, supostamente resultante de actos de suborno) e apresentou, de seguida, a queixa. Sucede que, a PRM deteve os agentes em causa, e, estranhamente, o motorista do "Chapa" foi também encarcerado, alegadamente, segundo a Polícia, por ter furtado bens do Município. Estes são os factos.

DIREITO:

1. A PRM, entende que o motorista cometeu um crime de furto, por isso tem que se instaurar um processo crime contra ele.

2. Penso que é importante apresentar uma definição de furto, para, de seguida analisarmos se ocorreu este tipo legal de crime.

3. Furto é a subtracção fraudulenta de coisa alheia, conforme o artigo 421º do Código Penal, em atenção as alterações introduzidas pela Lei 8/2002, de 5 de Fevereiro.

4.Concentremos-nos no elemento fraude.

5. No crime de furto , o elemento fraude é bastante decisivo.

5. Considera a Jurisprudência dominante que, a subtracção não é fraudulenta quando o agente não procede com a intenção de se apropriar da coisa, embora soubesse que ela lhe não pertencia, pois a subtracção fraudulenta objectiva-se e configura-se quando, sabendo o agente que a coisa lhe não pertence, dela se apropria com intuito de aumentar o seu património à custa do património alheio( Vide acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Outubro de 1953; Jur. das Rel., 11.º, 12).

6. O elemento subjectivo no crime de furto consiste no propósito de o agente integrar a coisa alheia no seu património ou no de terceira pessoa, contra a vontade do proprietário, possuidor ou detentor ( Vide acórdão do STJ, de 4 de Dezembro de 1968; BMJ, 182, 307).

7. Ora,

8. No caso do motorista, o elemento fraude nã se preencheu.

9. Logo,

10. Não posso deixar de afirmar, salvo douto entendimento em contrário, que o motorista não cometeu crime de furto.

11. Ainda que assim se não entender, o que por mera hipótese se pode admitir, sempre se dirá que o motorista não devia ter sido detido, pois a lei 6/2004, de 17 de Junho-Lei que introduz mecanismos complementares de combate a corrupção, no seu artigo 13º estabelece que os denunciantes devem ser protegidos.

12. Isto só me lembra o romance de FRANZ KAFKA-"O PROCESSO". O motorista está a desempenhar o papel do KIRILOV, personagem principal daquele romance.

13.Estamos, penso eu, diante de atitudes kafkianas.

14. O Ministério Público tem que agir.

10 comentários:

ninozaza disse...

A algum tempo atrás participei na elaboração de um reelatório que versava sobre as questões de praticas desviantes e subornos no sector da saúde e educação. Uma das constatações a que chegamos foi a falta de denúncia por parte dos utentes dos serviços públicos, casos como este do motorista do "chapa-100" revelam o quão perigoso pode ser fazer uma denúncia.
A questão que fica é: se pretendemos diminuir os indices de subornos e corrupção na função pública, que mensagem deixamos para o público quando temos atitude como esta da polícia?
Outra questão como é que a polícia queria que o motorista denúnciasse os polícias? Porque acredito se o motorista de chapa se tivesse deslocado a esquadra sem os elementos de prova (as pastas e o dinheiro), este caso seria como muitos outros.

ilídio macia disse...

Ninozaza, espectacular reflexão. Viste o P.S sobre o Governador de Inhambane, por favor, quero o seu palpite.

Elísio Macamo disse...

ninozaza, pode me dizer onde posso obter o relatório de que fala? gosto de ler essas coisas, mas penso também que seria uma boa oportunidade para eu ilustrar a minha posição sobre a corrupção. a falta de denúncia é de facto um problema, mas não é só porque as autoridades não vão ligar nada. para algumas pessoas a corrupção é cómoda e eficiente e só é problema quando não presta o serviço prometido.
ilídio, agradecia que me explicasses mais as declarações do governador. em que contexto falava ele, a propósito de quê e para quem?

ilídio macia disse...

Caro elísio, o governador discursava, creio, para quadros da educação, professores sobretudo.Tal discurso insere-se no contexto da campanha de melhoria de qualidade de ensino naquele ponto do país. No essencial é isto.

Elísio Macamo disse...

ilídio, continuo a não perceber muito bem o que o governador queria dizer. suponho que ele tenha trocado as palavras, isto é que não se tenha apercebido que a expressão "processo disciplinar" seja muito pesada para o que ele tinha realmente em mente. suponho que ele quisesse dizer que a educação precisa de critérios claros de desempenho para, mais tarde, poder chamar os professores à responsabilidade caso não cumpram com as suas obrigações. não sei se é a mesma coisa, mas de qualquer maneira parecem-me declarações sintomáticas de falta de ideias claras sobre o que é preciso fazer misturadas com uma certa tendência autoritária da nossa cultura política: chefe é só chefe quando anda a meter medo às pessoas. tenho a certeza de que ele não faz a mínima ideia do que é necessário fazer para elaborar esses critérios de desempenho. provavelmente, ele pensa que o bom aproveitamento (apurado através do índice de aprovações) constituiria esse bom desempenho, algo que teria o efeito perverso de formar analfabetos. enfim, o assunto é complicado.

ninozaza disse...

Os relatórios que mencionei, podem ser lidos no site www.integridadepública.org.mz

ilídio macia disse...

Muito grato, caro elísio.

Elísio Macamo disse...

obrigado, ninozaza, alguém se encarregou de me enviar os dois relatórios. já conhecia um deles. é leitura interessante.

Júlio Mutisse disse...

A corrupção é um fenómeno que tem que ser combatido por todos. Uma das melhores formas de combater esse fenómeno é conhece-lo.
Infelizmente eu sou como muitos sei pouco sobre o assunto mas tenho para comigo que este fenómeno se concretiza no binómio CORRUPTO + CORRUPTOR = CORRUPÇÂO.
Se a minha premissa é correcta para além do furto e considerando que o motorista de chapa pagou aos policias (ou ao menos tentou) cometeu o crime previsto no artigo 9 da lei 6/2004 lei do combate a corrupção, devendo por isso, ser punido com a pena de prisão até 1 ano.
Ninozaza é isto que torna perigosos denunciar a corrupção? Quem não deve não teme. Se não nos envolvemos em actos corruptos nada nos deve intimidar de os denunciar.
A transformação do motorista de chapa em herói e as autoridades públicas em vilãs nesta história, reside na interpretação distorcida dos factos e da santificação de quem corrompe na mesma proporção que se diaboliza quem é corrompido como se a corrupção podesse existir sem corruptores.
Se denunciarmos a corrupção em todos os momentos não só quando ela não nos aproveita estaremos a prestar um serviço de inestimável valor à nação.

Júlio Mutisse disse...

Meu caro Ilídio,

A lei de combate anti corrupção tem disposições sobre corrupção activa (art. 9 = pagar)e corrupção passiva (art. 8 0 receber); no caso em apresso o motorista de chapa, tendo pago cometeu o tipo legal de crime previsto no artigo 9 citado e o polícia ao receber deste e de outros cometeu o crime de corrupção passiva.
Como dizia no meu post anterior, o fenómeno corrupção concretiza se no binómio CORRUPTO + CORRUPTOR = CORRUPÇÂO. O motorista de chapa, pelo exposto acima é também corrupto, logo criminoso.
A disposição do artigo 13 da lei que tenho vindo a citar, de facto impõe o dever de protecção dos denunciantes mas seria de todo inusitado que a lei criminalizasse a corrupção activa e ao mesmo tempo impusesse o dever de proteger quem praticasse tal crime.
Creio que não são estas as situações que a lei quis salvaguardar com o artigo 13 da lei do combate à corrupção.
A lei quer com o artigo 13 proteger cidadãos honestos que, de boa fé, denunciem actos corruptos.
A denuncia do corruopto motorista de chapa (que é subsequente à prática do crime de corrupção activa) só pode funcionar como atenuante (no máximo) mas não o isenta das consequências previstas na lei. Seria de todo estranho que a mesma lei que o criminaliza impusesse a sua protecção pelo simples facto de denunciar um acto do qual ele tem participação activa.
Há entendimento melhor? Venham daí.